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26 Nov 2019

Os caminhos fazem-se caminhando

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Os caminhos fazem-se caminhando

Tenho a sorte de, no contexto do meu trabalho, conhecer pessoas especiais. Hoje falo-vos de uma das minhas utentes. Licenciada, teve outrora uma vida profissional muito ativa e feliz. É dotada de uma cultura e sensibilidade fora de comum, o que contribui para que as nossas sessões de fisioterapia sejam sempre muito animadas. Dá cartas na Literatura, na História e na música clássica e com ela tenho aprendido muito!
Hoje, reformada, tem um quadro de perturbação afetiva bipolar grave. Já com vários episódios de internamento, períodos em que o seu quadro motor se altera significativamente, quer ao nível da coordenação, quer do equilíbrio e da marcha, resultando em quedas frequentes, quase sempre com complicações traumáticas graves: múltiplas fraturas seguidas dos respetivos processos de recuperação.
Hoje, quando cheguei a sua casa, esperava-me um pedido especial: gostava de ir, pelo seu pé, até à Igreja da sua Terra que fica um tanto distante da sua casa. Confidenciou-me que, há mais de um ano, apenas saía de casa para consultas e sempre de carro. Tinha saudades de percorrer aquele caminho a pé.
Estava um lindo dia de sol. Aceitei o desafio e lá fomos. Que alegria, sentir a sua felicidade no caminho até à Igreja! As vizinhas vinham à porta, surpreendidas por vê-la a caminhar. Algumas não a viam há anos e todas queriam dar-lhe um beijinho e desejar as melhoras. Chegámos à Igreja. A porta estava fechada, mas a felicidade continuava estampada no seu rosto.
Prometi-lhe que voltaríamos num dia de sol.
Despedi-me até à nossa próxima sessão e, no caminho de volta pensava: Que importa as portas fechadas? Não há portas quando temos a felicidade ter um caminho para percorrer, a felicidade de partir sempre.
“Chegámos? Não chegámos?“
Pensei no quão importante havia sido aquele caminho percorrido com a ajuda do meu braço e do seu andarilho... "Não há caminhos. Os caminhos fazem-se caminhando" - o meu e o dela. No caminho percorrido pelos meus utentes vejo a minha sombra, ouço o eco dos meus passos ao lado dos seus. Com uns o caminho é curto, com outros mais longo, mas a meta deles é a minha: superar limitações, recuperar, melhorar qualidade de vida...
Caminhar, sempre!

Sara Lourenço
Fisioterapeuta

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