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14 Dec 2017

Fisioterapia pré-operatória é fundamental na recuperação após reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior

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Fisioterapia pré-operatória é fundamental na recuperação após reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior

A reabilitação pré-operatória do Ligamento Cruzado Anterior (LCA), também conhecida como pré-reabilitação, ainda não é uma prática comum em Portugal. No entanto, este é um processo crucial para o sucesso da reabilitação de uma ligamentoplastia do LCA. O processo de reabilitação pré-operatório é crucial para o sucesso da recuperação após cirurgia.

Este processo tem cinco objetivos principais: 
(1) Preparação física do paciente para cirurgia; 
(2) Preparação psicológica do paciente para cirurgia; 
(3) Redução do risco de complicações pós-operatórias; 
(4) Aumentar a probabilidade de retorno bem-sucedido à atividade de alto nível após a cirurgia;
(5) Minimização do risco de uma recidiva do LCA.

Após o diagnóstico de rotura do LCA, é fundamental a escolha do momento adequado para a realização da cirurgia. A reconstrução do LCA pode ser realizada de 2 formas:

1) logo após o diagnóstico - nesta condição o joelho está frequentemente edemaciado, com diminuição da amplitude articular, hemartrose e inibição dolorosa do quadricípite;

2) após programa de reabilitação pré-operatória – nesta condição o paciente aguarda a cirurgia até o momento em que o joelho esteja nas condições ideais.

Shelbourne e colaboradores(1) realizaram um estudo referente à taxa de desenvolvimento de artrofibrose numa análise retrospetiva de 169 reconstruções LCA divididas em 3 grupos com base no tempo de lesão até à cirurgia. Houve uma taxa de artrofibrose de 17% em pacientes submetidos a cirurgia entre 0 e 7 dias após a lesão e uma taxa de 11% em pacientes que foram operados 8 a 21 dias após a lesão do LCA e 0% quando a cirurgia foi realizada mais de 21 dias após a lesão. Deste modo, verifica-se que a realização da cirurgia numa fase precoce, após lesão do LCA, aumenta o risco de desenvolvimento de artrofibrose. Guerra e restantes colaboradores(2) investigaram a relação entre o tempo de espera até à cirurgia e a incidência de artrofibrose. Em ambos os casos (cirurgia imediata ou cirurgia retardada) foi verificada uma taxa de artrofibrose de aproximadamente 4%. Estes autores defendem que a definição do momento da reconstrução cirúrgica deve ser individualizado para cada paciente e não deve ser baseado apenas num qualquer período de tempo após lesão do LCA.

Uma revisão sistemática(3), que incluiu oito estudos e 451 pacientes, concluiu que a fisioterapia pré-operatória no LCA realizada durante 3 a 14 semanas contribui mais eficazmente para a melhoria da força e funcionalidade para pacientes com reconstrução do LCA no período de 3, 6 e 12 meses pós-operatório do que em comparação com o grupo de controlo.

Para complementar esta evidência, outro estudo refere que os pacientes com lesão do LCA obtiveram scores de funcionalidade pré-operatórios superiores (escala KOOS) apresentavam melhores resultados pós-operatórios 3-6 anos(4). A reabilitação progressiva a curto prazo mostrou ser bem tolerada após lesão aguda do LCA e fundamental na funcionalidade do joelho antes da reconstrução ou no primeiro passo na gestão pré-cirurgica5.

Em relação ao tempo de espera, entre a lesão e a cirurgia, existe uma grande divergência na literatura, no entanto, aproximadamente 21 dias têm sido apontados como o tempo adequado para atingir esses objetivos(1,6). Contudo, nesta decisão não entra apenas uma medida de tempo, mas também uma série de outros fatores devem ser tidos em conta. 

Um estudo verificou que os indivíduos que tinham diferenças de força de quadricípite comparada com o membro contra-lateral superiores a 20% antes da cirurgia, tiveram diferenças ao nível da força 2 anos após a cirurgia de reconstrução do LCA(7). Isso levou os autores a concluir que a cirurgia não deve ser realizada até que o défice de força do quadricípite do membro lesado seja superior a 80% do membro contra-lateral. Um outro estudo refere que os indivíduos com melhor ativação de quadricípite pré-operatória demonstraram maior atividade pós-operatória. Da mesma forma, indivíduos com mais força pré-operatória demonstraram uma maior força pós-operatória. Do ponto de vista clínico, esse estudo indica que antes da reconstrução do LCA devem ser realizados exercícios de ativação e fortalecimento do quadricípite, com o objetivo de maximizar esses fatores pós-reconstrução LCA, pois a ativação pré-operatória e a força estão relacionadas com a ativação e força pós-operatória, respectivamente(8).Outro fator que dever ser tido em conta é a amplitude articular do joelho, sendo recomendável que apresente antes da cirurgia 0o de extensão a 120o/125o de flexão do joelho. McHugh refere que o défice de extensão total é um preditor de défice de extensão pós-operatória(9).

O processo de reabilitação pré-operatório, deve ser realizado sempre que possível e necessário, com os seguintes objetivos terapêuticos: 
• Informar o paciente sobre o processo de reabilitação;
• Diminuir dor, edema e inflamação;
• Melhorar/manter a amplitude de movimento normal com foco na boa mobilidade patelar;
• Melhorar/manter padrão de marcha normal;
• Melhorar/manter a força muscular e ativação muscular;
• Ensinar e treinar os exercícios pós-operatórios de primeiros dias, enfatizando a importância da extensão total;
• Ensinar e treinar a realização de marcha com o auxiliares de marcha para os primeiros dias de pós-operatório.

Em conclusão, torna-se evidente que a fisioterapia pré-operatória melhora a funcionalidade do joelho e a força no pós-operatório e reduz o risco de artrofibrose. O tempo que decorre até à realização da cirurgia tem sido tema de debate, no entanto a não ser que se esteja a falar de um atleta profissional que necessite de retornar à atividade o mais rapidamente possível, tem-se demonstrado que a opção pela cirurgia retardada é a mais eficaz desde que se verifiquem os seguintes critérios: 
· Reação sinovial mínima(10);
· Extensão completa do joelho (0o);
· Flexão do joelho de 120o/125o e boa mobilidade patelo-femural(8);
· Controlo ativo do quadricípite e correto padrão de marcha(11);
· Défice de força de quadricípite de apenas 20% quando comparado com o membro contra-lateral(6,12)

Ao longo do processo de reabilitação pré-operatória, devem ser utilizados os seguintes métodos de avaliação:
· Stroke Test;
· Amplitude articular passiva (patelo femoral e tibiofemoral);
· Escala Visual Análoga (EVA);Escala de Funcinalidade (IKDC e/ou KOOS); 
· Escala de Cinesiofobia (TSK-13);
· Avaliação da força do quadricípite e isquiotibiais.

 

Luís Nascimento

Fisioterapeuta e osteopata

 

  1. Shelbourne KD, Wilckens JH, Mollabashy A, et al. Arthrofibrosis in acute anterior cruciate ligament reconstruction. The effect of timing of reconstruction and rehabilitation. Am J Sports Med 1991;19:332–6.
  2. Guerra JJ, Joyce ME, Wilk KE, et al. Increased prevalence and severity of intra-articular damage when ACL reconstruction is delayed. AAOS: Sports Medicine Speciality Day (62nd Annual Meeting). Atlanta (GA), Feburary 16, 1996.
  3. Alshewaier S, Yeowell G, Fatoye F. The effectiveness of pre-operative exercise physiotherapy rehabilitation on the outcomes of treatment following anterior cruciate ligament injury: A systematic review. Clinical rehabilitation 2016 Feb 15.
  4. Mansson O, Kartus J, Sernert N. Pre-operative factors predicting good outcome in terms of health-related quality of life after ACL reconstruction. Scandinavian journal of medicine & science in sports. 2013 Feb;23(1):15-22. 
  5. Eitzen I, Moksnes H, Snyder-Mackler L, et al. A progressive 5-week exercise therapy program leads to significant improvement in knee function early after anterior cruciate ligament injury. J Orthop Sports Phys Ther 2010;11:705–21.
  6. Meighan AA, Keating JF, Will E. Outcome after reconstruction of the anterior cruciate ligament in athletic patients. A comparison of early versus delayed surgery. J Bone Joint Surg Br 2003;85:521–4.
  7. Eitzen I, Holm I, Risberg MA. Preoperative quadriceps strength is a significant predictor of knee function two years after anterior cruciate ligament reconstruction. British journal of sports medicine. 2009 May;43(5):371-6. 
  8. Lepley LK, Palmieri-Smith RM. Pre-operative quadriceps activation is related to post-operative activation, not strength, in patients post-ACL reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2016 Jan;24(1):236-46.
  9. McHugh MP, Tyler TF, Browne MG, et al. Electromyographic predictors of residual quadriceps muscle weakness after anterior cruciate ligament reconstruction. AmJ Sports Med 2002;30:334–9. McHugh MP, Tyler TF, Gleim GW, et al. Preoperative indicators of motion loss and weakness following anterior cruciate ligament reconstruction. J Orthop Sports Phys Ther 1998;27:407–11.
  10. Quelard B, Sonnery-Cottet B, Zayni R, et al. Preoperative factors correlating with a prolonged range of motion deficit after anterior cruciate ligament reconstruction. Am J Sports Med 2010;38:2034–9.
  11. de Jong SN, Caspel DR, van Haeff MJ, et al. Functional assessment and muscle strength before and after reconstruction of chronic anterior cruciate ligament lesions. Arthroscopy 2007;23:21–8.
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