O tempo é inimigo e o problema vai muito além da estética.
O que é a Plagiocefalia?
A avaliação e tratamento de assimetrias cranianas em bebés são fundamentais para um desenvolvimento saudável e na prevenção de complicações futuras.
A Plagiocefalia posicional refere-se a uma deformidade craniana, com uma incidência estimada de 20% aos 4 meses de idade. Caracterizada por um achatamento de um dos lados da cabeça, resultando numa aparência assimétrica.
Quais as possíveis causas?
A plagiocefalia posicional resulta, na maioria das vezes, devido a pressões externas exercidas sobre o crânio do bebé — que, nos primeiros meses de vida é facilmente moldável.
Entre os principais fatores que podem contribuir para o aparecimento desta deformidade, destacam-se:
- Manutenção prolongada da posição de barriga para cima — embora seja a posição mais segura para dormir, se não for equilibrada com momentos ativos noutras posições ao longo do dia, pode originar zonas de pressão constante numa mesma área da cabeça.
- Preferência de rotação da cabeça — muitas vezes associada a torcicolo congénito ou a pequenas limitações de mobilidade cervical, que fazem com que o bebé mantenha um padrão de rotação sempre para o mesmo lado.
- Movimento limitado e pouca variabilidade postural — especialmente quando o bebé passa muito tempo em superfícies rígidas ou em dispositivos como ovinhos, espreguiçadeiras e cadeiras auto, que favorecem posições fixas.
- Tempo reduzido em posição ventral (tummy time) — essencial não só para o desenvolvimento motor, mas também para aliviar zonas de pressão no crânio.
- Prematuridade — os bebés prematuros apresentam maior maleabilidade craniana e costumam permanecer longos períodos em posição supina (barriga para cima) nos cuidados neonatais, o que pode favorecer a assimetria.
- Fatores intrauterinos — como gravidezes múltiplas, limitação do espaço no útero ou posições mantidas in utero, que condicionam a liberdade de movimento e podem originar assimetrias posturais ainda antes do nascimento.
- Primogénitos — tendem a ter maior risco, possivelmente por atravessarem um canal de parto mais apertado ou por falta de informação relativamente à importância das mudanças de posição.
- Partos instrumentados — como fórceps ou ventosa, que podem originar moldagens assimétricas do crânio ou alterações cervicais.
Como se Diagnostica?
O diagnóstico da plagiocefalia posicional é fundamentalmente clínico, baseado numa avaliação cuidadosa realizada por profissionais de saúde qualificados. Embora a observação atenta dos pais seja o primeiro e crucial passo para detetar sinais de alerta, a confirmação e a avaliação da severidade da condição exigem uma consulta especializada.
Durante a avaliação, o profissional irá:
- Realizar uma inspeção visual e palpatória do crânio do bebé: Procurando o achatamento característico num dos lados da cabeça, assimetrias faciais e auriculares.
- Avaliar a mobilidade do crânio e da cervical: Verificando a presença de preferência postural da cabeça ou torcicolo congénito, que são causas frequentes de plagiocefalia, que está associada muitas vezes a restrições de mobilidade entre os vários ossos e suturas que compõem o crânio.
- Analisar o histórico de desenvolvimento do bebé: Incluindo fatores de risco como prematuridade, tempo passado em posições fixas, e a prática de "tummy time".
- Excluir outras condições: Embora a plagiocefalia posicional seja a mais comum, o profissional deve descartar outras causas raras de assimetria craniana, como a craniossinostose, que exige por normal, uma abordagem cirúrgica.
Muito para além da estética - quais as complicações imediatas e futuras?
Mais do que uma questão estética, a plagiocefalia posicional, se não for abordada atempadamente, pode desenvolver alterações nas estruturas cranianas e faciais com potenciais e significativas repercussões funcionais. As assimetrias na cabeça e face do bebé podem impactar diversas áreas do seu desenvolvimento, estendendo-se muito para além da aparência:
- Visão: A assimetria pode levar a um desalinhamento dos olhos, podendo resultar em estrabismo ou astigmatismo. Isto pode dificultar a focalização e o desenvolvimento visual adequado.
- Audição: Em casos de assimetria mais pronunciada, a posição das orelhas pode ser afetada, o que, embora menos comum, pode ter implicações na perceção auditiva.
- Vias respiratórias superiores: Deformidades no crânio e na face podem influenciar a estrutura das vias aéreas superiores, podendo, em alguns casos, levar a dificuldades respiratórias ou a um padrão respiratório oral.
- Motricidade orofacial: As alterações na estrutura facial podem afetar o desenvolvimento da boca e da mandíbula, com possíveis repercussões na amamentação, na mastigação e até no desenvolvimento da fala.
- Questões digestivas: Embora indireto, o comprometimento da motricidade orofacial e da deglutição pode, em alguns casos, estar associado a refluxo ou outras dificuldades digestivas.
- Postura e Desenvolvimento Motor: A preferência de rotação da cabeça, muitas vezes associada à plagiocefalia, pode limitar os movimentos ativos do pescoço e do tronco. Esta limitação de movimento pode também atrasar marcos de desenvolvimento motor, como rolar, sentar ou gatinhar, e contribuir para assimetrias posturais em todo o corpo.
- Desenvolvimento neurológico: Embora não cause dano cerebral direto, estudos sugerem que bebés com plagiocefalia podem ter maior risco de atrasos em algumas áreas do desenvolvimento neurocognitivo e motor, se não forem intervencionados precocemente.
O que nos diz a evidência sobre o tratamento?
As evidências atuais apontam a fisioterapia e o reposicionamento como tratamentos de primeira linha, enfatizando a necessidade de uma abordagem individualizada. Esta deve incluir:
- Terapia manual pediátrica
- Estimulação motora/neurodesenvolvimento
- Ensino de estratégias de posicionamento aos pais
A literatura científica tem mostrado que:
- O ensino de posicionamento aliado a estimulação motora é mais eficaz do que o posicionamento isolado, especialmente se iniciado nos primeiros 3 meses de vida
- A terapia manual pediátrica, sobretudo com foco no crânio, ainda que seja uma área inovadora dentro da fisioterapia, tem ganho força na literatura científica recente.
- O tempo em “Tummy time” (barriga para baixo sob vigilância) é essencial para a remodelagem e crescimento adequado da zona mais achatada do crânio.
Como tratamentos de Segunda linha, caso a fisioterapia não seja iniciada de forma atempada ou não obtenha os resultados esperados, a evidência tem referido:
O uso de capacetes ortopédicos (terapia com ortótese craniana), que são desenhados para remodelar suavemente o crânio do bebé, direcionando o crescimento para as áreas achatadas e restringindo o crescimento nas áreas proeminentes. Esta abordagem é geralmente considerada em casos de plagiocefalia mais severa ou persistente.
No entanto, é importante notar que:
- A eficácia dos capacetes ortopédicos, sobretudo nas estruturas faciais, permanece controversa.
- A intervenção precoce com fisioterapia e reposicionamento é determinante para um prognóstico positivo e para evitar a progressão para casos que possam exigir o uso de capacetes.
A decisão de recorrer a um tratamento de segunda linha deve ser sempre tomada após uma avaliação cuidadosa por uma equipa multidisciplinar, considerando a severidade da plagiocefalia, a idade do bebé e a resposta aos tratamentos de primeira linha.
Como pode a Fisioterapia ajudar os Bebés com Plagiocefalia?
A Terapia Manual, visa:
- Restabelecer a mobilidade e a função cervical
- Melhorar a simetria e expansão craniofacial
- Favorecer a função orofacial
São usadas técnicas cranianas, craniossacrais e de cervical alta. A sua combinação com a orientação posicional e a estimulação motora tem demonstrado eficácia acrescida.
Também é crucial identificar e tratar condições associadas:
- Torcicolo congénito
- Limitações de Movimento Cervical
- Atrasos no desenvolvimento motor
A estimulação motora como prevenção
A estimulação precoce promove o desenvolvimento motor e a simetria craniana. Incluindo:
- Movimentos ativos da cabeça e pescoço,
- Aumento do tempo em Tummy Time,
- Exercícios específicos de acordo com a etapa de desenvolvimento de cada bebé.
Qual a Importância do papel ativo dos Pais?
São os pais quem melhor conhece e passa mais tempo com o seu bebé, por isso, é essencial estarem atentos a possíveis sinais de alarme, bem como o seu acompanhamento ativo em todo o processo de tratamento.
Desta forma, a educação parental é indispensável para o sucesso do tratamento. Incluindo:
- Identificação precoce de sinais de alerta
- Adotar estratégias de posicionamento: alternar a rotação da cabeça nos diferentes sonos, evitando pressão constante sobre a mesma área
- Modificação do ambiente: incentivar o olhar e a rotação da cabeça para o lado mais restrito
- Reduzir o tempo em posição de barriga para cima e em dispositivos como o “ovo” ou espreguiçadeira
- Estimular o Babywearing (carregar o bebé junto ao corpo com pano ou porta bebés) e o contacto físico próximo (colo)
Diagnóstico precoce – a chave para o sucesso
Nos primeiros meses de vida, o crescimento cerebral é acelerado, sendo este o principal motor da expansão craniana. Diversos estudos demonstram que a intervenção precoce é determinante para um prognóstico positivo.
Por isso, estar atento aos sinais de alerta e procurar orientação especializada nos estágios iniciais, permite não apenas melhores resultados, mas também que estes sejam obtidos de forma mais rápida, fazendo a diferença no desenvolvimento saudável e equilibrado do bebé, impactando a qualidade de vida futura.
Desta forma, a vigilância ativa dos pais é um pilar fundamental no processo. Sugere-se deste modo, uma inspeção regular e atenta a sinais de alerta para que seja possível um Diagnóstico precoce:
- Cabeça com formato irregular: Observar se existe algum achatamento nas várias regiões da cabeça, seja na parte de trás (occipital) ou lateral (parietal), que confira uma aparência assimétrica ao crânio do bebé. Verificar se a testa do mesmo lado do achatamento parece mais proeminente ou se há um desvio da linha média do nariz.
- Assimetrias na face e orelhas: Repare se existem diferenças na simetria do rosto do bebé, como por exemplo, um olho que parece menor ou mais fechado, a boca desviada, ou as orelhas desalinhadas em altura ou posição – uma orelha pode parecer mais para a frente do que a outra, ou mais alta.
- Preferência de rotação da cabeça para um dos lados: Observe se o seu bebé demonstra uma tendência persistente para manter a cabeça virada para o mesmo lado, especialmente durante o sono, quando está deitado no carrinho ou no ovo, ou mesmo durante a brincadeira. Esta preferência pode ser um sinal de torcicolo congénito ou limitações de mobilidade cervical, que são fatores de risco para a plagiocefalia.
- Dificuldade em virar a cabeça para ambos os lados: Além da preferência por um lado, observe se o bebé tem dificuldade ou relutância em virar a cabeça para o lado oposto ao achatamento.
- Zonas assimétricas de menos quantidade de cabelo: Em alguns casos, a pressão constante numa área pode levar à perda de cabelo nessa zona.
- Dificuldade em tolerar "tummy time": Embora não seja um sinal direto da assimetria, a dificuldade ou aversão à posição de barriga para baixo (tummy time) pode contribuir para o agravamento da plagiocefalia e deve ser um alerta.
- Dificuldades na amamentação ou alimentação: Observe se o bebé tem preferência por um lado para mamar, preferência de uma mama em relação à outra, ou se demonstra dificuldade em coordenar a sucção e a deglutição, o que pode estar relacionado com tensões cervicais ou assimetrias orofaciais.
Concluindo, cada bebé é único e o seu crescimento e remodelação craniana acontecem intensamente nos primeiros meses de vida. Desta forma, reconhecer os primeiros sinais de Plagiocefalia e procurar um profissional qualificado é o primeiro passo para uma intervenção bem sucedida. A intervenção precoce pode evitar problemas futuros e promover um desenvolvimento mais equilibrado, sendo a Fisioterapia a aliada de excelência neste processo"
Inês Espadinha
Fisioterapeuta Pediátrica
Fontes:
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